sábado, 4 de junho de 2011

A morte e a morte de Quincas Berro D'Água, de Jorge Amado

No primeiro capítulo, o narrador nos antecipa os mistérios e as lacunas que permaneceram sem explicação na morte de Quincas Berro D'Água. Também ficamos sabendo que Quincas já teria outra morte, o que aconteceu quando abandonou a família para viver de malandragem. A filha e o genro anteciparam para a próxima geração que o avô Joaquim, homem respeitável, já havia falecido. Então, Joaquim, ao se transformar em Quincas, teria a sua primeira morte, ao se desligar da família. Se a morte não foi física, pelo menos foi moral. Quincas era uma vergonha para a família. Ficamos sabendo também que de fato o personagem seria um recordista de morte, somando ao todo pelo menos três. E o narrador nos adverte: "Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro D'Água pode ser completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é tentar, mesmo o impossível."
No capitulo II vemos o perfil de Joaquim Soares da Cunha, segundo a família: de boa família, exemplar funcionário da Mesa de Rendas Estadual, ouvido com respeito, todo burguês, jamais visto em botequim. Este é o Quincas que existia, quando resolveram decretá-lo morto para a sociedade. Quando a filha Vanda ou o genro Leonardo sabiam alguma notícia de Quincas através de vizinhos ou terceiros era como se um morto se levantasse do túmulo. Neste capítulo, também a família fica sabendo através de um santeiro que Quincas estava espichado, morto em uma pocilga miserável. A família suspirou com alívio, poderia falar do Joaquim exemplar: bom pai, bom esposo. Fora encontrado por uma nega vendedora de mingau. Encontrou-o com o dedão do pé direito fora da meia rasgada e de sapato roto no chão. O santeiro espanta-se ao ver onde a família de Quincas morava e pergunta o motivo dele se encontrar naquela miséria: se foi traição da mulher. O genro retruca que a sogra, a Dona Otacília, era uma santa. Porém, na fotografia de Otacília, o santeiro vê um osso duro de roer. A família começa a tomar as providências para o velório.
No capítulo III, a filha Vanda chega à pocilga, e recorda do quanto tentara trazê-lo de volta em vão. O defunto "era um morto pouco apresentável, cadáver de vagabundo falecido ao azar, sem decência na morte, sem respeito, rindo-se cinicamente, rindo-se dela (...) Cadáver para necrotério, para ir no rabecão da polícia servir depois aos alunos da Faculdade de Medicina (...) Era o cadáver de Quincas Berro D'Água, cachaceiro, debochado e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas. Não era Joaquim Soares da Cunha, correto funcionário da Mesa de rendas Estadual(...)", aposentado, bom esposo. Vanda indaga-se como pode um homem, aos cinquenta anos, abandonar tudo e começar nesta idade "a vagabundear pelas ruas, beber nos botequins baratos, frequentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável?" Por mais que tentasse não conseguiria compreender. Loucura de hospício não era. Assim, nem Quincas havia dado o último suspiro, a família já o iria transformar em Joaquim Soares da Cunha. 

No capítulo IV, a família vê-se às voltas com a vergonha e como evitá-la. Para isso, qual seria melhor forma de se livrar do defunto? Neste capítulo também tem a chegada do médico para o óbito. E o médico conclui: "- Ele está rindo, hein! Cara de debochado. Vanda fechou os olhos, apertou as mãos, o rosto vermelho de vergonha."


No capítulo V, a família entrega o corpo para uma funerária, tentando gastar o mínimo possível: compram tudo novo, menos a cueca, pois é desnecessária. Em um almoço de família, comendo uma peixada, Vanda, Leonardo, o irmão de Quincas, Eduardo, e a gordíssima tia Marocas, encontravam uma solução para se livrar do incômodo da forma mais barata, rápida e discreta possível. Decidiram velá-lo na pocilga mesmo e diriam que ele morreu no interior. Convidariam para a missa de sétimo dia.


O capítulo VI está às voltas com as soluções práticas da família para resolver o problema. Iriam velar o defunto só os quatro familiares, revezando-se em turnos. E lá estava Quincas na esquife, severo e nobre. "Duas velas enormes (...) lançavam uma chama débil, pois a luz da Bahia entrava pela janela (...) Tanta luz do sol, tanta alegre claridade, pareceram a Vanda uma desconsideração para com a morte, faziam as velas inúteis, tiravam-lhe o brilho augusto. Vanda, velando o pai, começa a restaurar o homem bom da infância." Neste capítulo também somos informados como Quincas abandonou tudo: "A verdade é que Joaquim só começara a contar em suas vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado Leonardo de 'bestalhão', fitou a ela e a Otacília e soltou-lhes na cara, inesperadamente: - Jararacas! E, com a maior tranquilidade desse mundo, como se estivesse a realizar o menor e mais banal dos atos, foi-se embora e não voltou." Contava Quincas com cinquenta anos, perambulou pela felicidade durante dez anos. No silêncio fúnebre, Vanda ouvia o pai dizer jararaca, ela empalideceu. A tia chega. O defunto alegra-se com a brisa do mar que entra e apaga as velas, sorrindo e ajeitando-se melhor no caixão.


O capítulo VII está todo às voltas com a tristeza causada em todos os miseráveis da cidade. Passamos a conhecer o Quincas Berro D'Água e o quanto era querido. Os amigos estavam inconformados por ter morrido em terra, um homem que se dizia velho marinheiro, mesmo sem nunca tê-lo sido. Era herança que herdara de família, dizia. Seu corpo, por sua vontade, pertencia ao mar. Também neste capítulo somos informados do apelido Berro D'Água, agregado a QuincasQuincas deu um berro fenomenal "- Äguuuuua!", chamando a atenção de meio mundo, sendo ouvido até no elevador Lacerda. A partir de então, transformou-se em Quincas Berro D'Água. Todos sofriam a morte de Quincas. O povo estava de luto. Começa a aparecer as bondades do velho e bom malandro Quincas Berro D'Água.


No capítulo VIII, conhecemos os quatro melhores amigos de Quincas: Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-vento. Também estes personagens são caracterizados.


O capitulo XIX faz-se pelo enfrentamento dos amigos da malandragem, citados no capítulo anterior e a família de Quincas.


No capítulo X, continua o velório e os quatro amigos em voz baixa disputam o amor da amante de Quincas, a Quitéria do Olho Arregalado. Agora, era turno do irmão de Quincas, o Eduardo, que iria passar a noite, mas decide deixar o irmão com os amigos e ir descansar um pouco. Aí os amigos eram os verdadeiros donos do defunto. Organizaram um velório decente, com cachaça, salame. Tentaram rezar, começaram a beber e dar bebida ao defunto que sorria e devolvia um pouco da cachaça, lambuzando o paletó. Os amigos tiraram as roupas artificiais de Quincas e colocaram os velhos trapos e o defunto ficou deles. Levaram cada um uma peça para si, pois defunto não precisa dessas coisas. E saíram agora com o defunto vivo para a peixada no saveiro: Curió e Pé-de-vento saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança, ia entre Negro Pastinha e Cabo Martim de braço dado.


No capítulo XI, a cidade neste dia está de luto e quieta. Nem as prostitutas abriram para o ofício. Os amigos e Quincas saíram acordando todo mundo para a peixada, pois era aniversário do Quincas. Fizeram o que faziam todas as noites: farra, bebedeira, confusão... Até chegarem ao saveiro e saírem para peixada no mar. Em alto mar, Quitéria do Olho Arregalado e Quincas não comiam. Quincas olhava o céu, ouvindo Maria Clara cantar. De repente, o anúncio de tempestade, mas não respeitaram, retardaram a volta, aproveitando mais o momento. A tempestade chegou e ninguém sabe como Quincas pôs-se de pé e "no meio do ruído, do mar em fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira. Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade."


No capítulo XII, sabemos que o caixão encontra-se na loja de Eduardo, esperando um defunto de segunda mão.
Quanto à frase derradeira há versões variadas." Afinal, quem poderia ouvir direito no meio de tamanho temporal?
Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:


'No meio da confusão ouviu-se Quincas dizer:
' - Me enterro como entender
na hora que resolver.
Podem guardar seu caixão
Pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender
Em cova rasa no chão.'
E foi impossível saber